OSWALDE DE ANDRADE

 MANIFESTE ANTHROPOPHAGE, 1928

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tupi or not tupi


Novia, au premier occupant, Francis Picabia, 1917, illustration de la revue Cannibale.

MANIFESTO ANTROPOFAGICO


Só a antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.

Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos os coletivismos. De todas as religiões. De todos os tratados de paz.

Tupy, or not tupy that is the question.

Contra todas as catequeses. E contra a mãe dos Gracos.

Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago.

Estamos fatigados de todos os maridos católicos suspeitosos postos em drama. Freud acabou com o enigma mulher e com outros sustos da psicologia impressa.

O que atrapalhava a verdade era a roupa, o impermeável entre o mundo interior e o mundo exterior. A reação contra o homem vestido. O cinema americano informará.

Filhos do sol, mãe dos viventes. Encontrados e amados ferozmente, com toda a hipocrisia da saudade, pelos imigrados, pelos traficados e pelos touristes. No país da cobra grande.

Foi porque nunca tivemos gramáticas, nem coleções de velhos vegetais. E nunca soubemos o que era urbano, suburbano, fronteiriço e continental. Preguiçosos no mapa-múndi do Brasil. Uma consciência participante, uma rítmica religiosa.

Contra todos os importadores de consciência enlatada. A existência palpável da vida. E a mentalidade prelógica para o Sr. Levi Bruhl estudar.

Queremos a revolução Caraíba. Maior que a Revolução Francesa. A unificação de todas as revoltas eficazes na direção do homem. Sem nós a Europa não teria sequer a sua pobre declaração dos direitos do homem. A idade do ouro anunciada pela América. A idade de ouro. E todas as girls.

Filiação. O contato com o Brasil Caraíba. Oú Villegaignon print terre. Montaigne. O homem natural. Rousseau. Da Revolução Francesa ao Romantismo, à Revolução Bolchevista, à Revolução surrealista e ao bárbaro tecnizado de Keyserling. Caminhamos.

Nunca fomos catequizados. Vivemos através de um direito sonâmbulo. Fizemos Cristo nascer na Bahia. Ou em Belém do Pará.

Mas nunca admitimos o nascimento da lógica entre nós. Contra o Padre Vieira. Autor do nosso primeiro empréstimo, para ganhar comissão. O rei analfabeto dissera-lhe: ponha isso no papel mas sem muita lábia. Fez-se o empréstimo. Gravou-se o açúcar brasileiro. Vieira deixou o dinheiro em Portugal e nos trouxe a lábia.

O espírito recusa-se a conceber o espírito sem corpo. O antropomorfismo. Necessidade da vacina antropofágica. Para o equilíbrio contra as religiões de meridiano. E as inquisições exteriores.

Só podemos atender ao mundo orecular.

Tínhamos a justiça codificação da vingança. A ciência codificação da Magia. Antropofagia. A transformação permanente do Tabu em totem.

Contra o mundo reversível e as idéias objetivadas. Cadaverizadas. O stop do pensamento que é dinâmico. O indivíduo vítima do sistema. Fonte das injustiças clássicas. Das injustiças românticas. E o esquecimento das conquistas interiores.

Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros.

O instinto Caraíba. Morte e vida das hipóteses. Da equação eu parte do Kosmos ao axioma Kosmos parte do eu. Subsistência. Conhecimento. Antropofagia.

Contra as elites vegetais. Em comunicação com o solo.

Nunca fomos catequizados. Fizemos foi Carnaval. O índio vestido de Senador do Império. Fingindo de Pitt. Ou figurando nas óperas de Alencar cheio de bons sentimentos portugueses.

Já tínhamos o comunismo. Já tínhamos a língua surrealista. A idade de ouro.
Catiti Catiti
Imara Notiá
Notiá Imara
Ipejú.

A magia e a vida. Tínhamos a relação e a distribuição dos bens físicos, dos bens morais, dos bens dignários. E sabíamos transpor o mistério e a morte com o auxílio de algumas formas gramaticais.

Perguntei a um homem o que era o Direito. Ele me respondeu ge]que era a garantia do exercício da possibilidade. Esse homem chamava-se Galli Matias. Comi-o.

Só não há determinismo, onde há mistério. Mas que temos nós com isso?

Contra as histórias do homem, que começam no Cabo Finisterra. O mundo não datado. Não rubricado. Sem Napoleão. Sem César.

A fixação do progresso por meio de catálogos e aparelhos de televisão. Só a maquinaria. E os transfusores de sangue.

Contra as sublimações antagônicas. Trazidas nas caravelas.

Contra a verdade dos povos missionários, definida pela sagacidade de um antropófago, o Visconde de Cairu:-É a mentira muitas vezes repetida.

Mas não foram cruzados que vieram. Foram fugitivos de uma civilização que estamos comendo, porque somos fortes e vingativos como o Jabuti.

Se Deus é a consciência do Universo Incriado, Guaraci é a mãe dos viventes. Jaci é a mãe dos vegetais.

Não tivemos especulação. Mas tínhamos adivinhação. Tínhamos Política que é a ciência da distribuição. E um sistema social-planetário.

As migrações. A fuga dos estados tediosos. Contra as escleroses urbanas. Contra os Conservatórios, e o tédio especulativo.

De William James a Voronoff. A transfiguração do Tabu em totem. Antropofagia.

O pater famílias e a criação da Moral da Cegonha: Ignorância real das coisas + falta de imaginação + sentimento de autoridade ante a pro-curiosa (sic).

É preciso partir de um profundo ateísmo para se chegar à idéia de Deus. Mas o caraíba não precisava. Porque tinha Guaraci.

O objetivo criado reage como os Anjos da Queda. Depois Moisés divaga. Que temos nós com isso?

Antes dos portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto a felicidade.

Contra o índio de tocheiro. O índio filho de Maria, afilhado de Catarina de Médicis e genro de D. Antônio de Mariz.

A alegria é a prova dos nove. No matriarcado de Pindorama.

Contra a Memória fonte do costume. A experiência pessoal renovada.

Somos concretistas. As idéias tomam conta, reagem, queimam gente nas praças públicas. Suprimamos as idéias e as outras paralisias. Pelos roteiros. Acreditar nos sinais, acreditar nos instrumentos e nas estrelas.

Contra Goethe, a mãe dos Gracos, e a Corte de D. João VI.

A alegria é a prova dos nove.

A luta entre o que se chamaria Incriado e a Criatura-ilustrada pela contradição permanente do homem e o seu Tabu. O amor quotidiano e o modus vivendi capitalista. Antropofagia. Absorção do inimigo sacro. Para transformá-lo em totem. A humana aventura. A terrena finalidade. Porém, só as puras elites conseguiram realizar a antropofagia carnal, que traz em si o mais alto sentido da vida e evita todos os males identificados por Freud, males catequistas. O que se dá não é uma sublimação do instinto sexual. É a escala termométrica do instinto antropofágico. De carnal, ele se torna eletivo e cria a amizade. Afetivo, o amor. Especulativo, a ciência. Desvia-se e transfere-se. Chegamos ao aviltamento. A baixa antropofagia aglomerada nos pecados do catecismo-a inveja, a usura, a calúnia, o assassinato. Peste dos chamados povos cultos e cristianizados, é contra ela que estamos agindo. Antropófagos.

Contra Anchieta cantando as onze mil virgens do céu, na terra de Iracema-o patriarca João Ramalho fundador de São Paulo.

A nossa independência ainda não foi proclamada. Frase típica de D. João VI:-Meu filho, põe essa coroa na tua cabeça, antes que algum aventureiro o faça! Expulsamos a dinastia. É preciso expulsar o espírito bragantino, as ordenações e o rapé de Maria da Fonte.

Contra a realidade social, vestida e opressora, cadastrada por Freud-a realidade sem complexos, sem loucura, sem prostituições e sem penitenciárias do matriarcado de Pindorama.

Oswald de Andrade Em Piratininga Ano 374 da deglutição do Bispo Sardinha.
Originalmente publicado em Revista de Antropofagia, n.1, ano 1, maio de 1928, São Paulo.

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ANTHROPOPHAGITE MANIFESTO

Only anthropophagy unites us. Socially. Economically.Philosophically.

The world's only law. The masked expression of all individualisms, of all collectivisms. Of all religions. Of all peace treaties.

Tupy, or not tupy that is the question.1 Against all catechisms. And against the mother of the Gracchi.

The only things that interest me are those that are not mine. Law of man. Law of the anthropophagite.

We are tired of all the suspicious catholic husbands put in drama. Freud put an end to the woman enigma and to other frights of printed psychology.

What hindered truth was clothing, the impermeable element between the interior world and the exterior world. The reaction against the dressed man. American movies will inform.

Sons of the sun, mother of the living. Found and loved ferociously, with all the hypocrisy of nostalgia, by the immigrants, by the slaves and by the touristes. In the country of the big snake.

It was because we never had grammars, nor collections of old plants. And we never knew what was urban, suburban, boundary and continental. Lazy men on the world map of Brazil. A participating consciousness, a religious rhythm.

Against all importers of canned consciousness. The palpable existence of life. And the pre-logical mentality for Mr. Levi Bruhl to study.

We want the Carahiba revolution. Bigger than the French Revolution. The unification of all efficacious rebellions in the direction of man. Without us Europe would not even have its poor declaration of the rights of man. The golden age proclaimed by America. The golden age. And all the girls.

Descent. The contact with Carahiban Brazil. Oú Villegaignon print terre. Montaigne. The natural man. Rousseau. From the French Revolution to Romanticism, to the Bolshevik Revolution, to the surrealist Revolution and Keyserling's technicized barbarian. We walk.

We were never catechized. We live through a somnambular law. We made Christ be born in Bahia. Or in Belém do Pará.

But we never admitted the birth of logic among us. Against Father Vieira. Author of our first loan, to gain his commission. The illiterate king had told him: put this in paper but don't be too wordy. The loan was made. Brazilian sugar was recorded. Vieira left the money in Portugal and brought us wordiness.

The spirit refuses to conceive the spirit without body. Anthropomorphism. The need for an anthropophagical vaccine. For the equilibrium against the religions of the meridian. And foreign inquisitions.

We can only attend to the oracular world.

We had justice codification of vengeance. And science codification of Magic. Anthropophagy. The permanent transformation of Taboo into totem.

Against the reversible world and objectivized ideas. Cadaverized. The stop of thought which is dynamic. The individual victim of the system. The source of classical injustices. Of the romantic injustices. And the forgetting of interior conquests.

Routes. Routes. Routes. Routes. Routes. Routes. Routes.

The Carahiban instinct.

Life and death of hypotheses. From the equation I part of the Kosmos to the axiom Kosmos part of I. Subsistence. Knowledge. Anthropophagy.

Against plant elites. In communication with the soil.

We were never catechized. What we really did was Carnival. The Indian dressed as a Senator of the Empire. Pretending to be Pitt. Or featuring in Alencar's operas full of good Portuguese feelings.

We already had communism. We already had the surrealist language. The golden age.

Catiti Catiti
Imara Notiá
Notiá Imara
Ipejú.

Magic and life. We had the relation and the distribution of physical goods, of moral goods, and the goods of dignity. And we knew how to transpose mystery and death with the aid of some grammatical forms.

I asked a man what Law was. He replied it was the guarantee of the exercise of possibility. That man was called Galli Matias. I ate him.

Determinism is only absent where there is mystery. But what do we have to do with this?

Against the stories of man, which begin at Cape Finisterra. The undated world. Unsigned. Without Napoleon. Without Caesar.

The fixation of progress through catalogues and television ge]sets. Only machinery. And the blood transfusors.

Against the antagonical sublimations. Brought in caravels.

Against the truth of missionary peoples, defined by the sagacity of an anthropophagite, the Viscount of Cairu:-It is the often repeated lie.

But they who came were not crusaders. They were fugitives from a civilization that we are eating, because we are strong and vengeful as a Jabuti.

If God is the consciousness of the Uncreated Universe, Guaraci is the mother of the living. Jaci is the mother of plants.

We did not have speculation. But we had the power of guessing. We had Politics which is the science of distribution. And a planetary-social system.

The migrations. The escape from tedious states. Against urban sclerosis. Against Conservatories, and tedious speculation.

From William James to Voronoff. The transfiguration of Taboo in totem. Anthropophagy.

The pater families and the creation of the Moral of the Stork: Real ignorance of things + lack of imagination + sentiment of authority before the pro-curious (sic).

It is necessary to depart from a profound atheism to arrive at the idea of God. But the Carahiba did not need. Because he had Guaraci.

The created objective reacts as the Fallen Angels. After Moses wanders. What have we got to do with this?

Before the Portuguese discovered Brazil, Brazil had discovered happiness.

Against the Indian with the torch. The Indian son of Mary, godson of Catherine de Médici and son-in-law of Don Antônio de Mariz.

Happiness is the proof of the pudding.

In the matriarchy of Pindorama.

Against the Memory source of custom. Personal experience renewed.

We are concretists. Ideas take hold, react, burn people in public squares. Let us suppress ideas and other paralyses. Through the routes. To believe in signs, to believe in the instruments and the stars.

Against Goethe, the mother of the Gracchi, and the Court of Don João VI.

Happiness is the proof of the pudding.

The struggle between what one would call the Uncreated and the Creature illustrated by the permanent contradiction between man and his Taboo. The quotidian love and the capitalist modus vivendi. Anthropophagy. Absorption of the sacred enemy. To transform him into totem. The human adventure. The mundane finality. However, only the pure elites managed to realize carnal anthropophagy, which brings the highest sense of life, and avoids all the evils identified by Freud, catechist evils. What happens is not a sublimation of the sexual instinct. It is the thermometric scale of the anthropophagic instinct. From carnal, it becomes elective and creates friendship. Affectionate, love. Speculative, science. It deviates and transfers itself. We reach vilification. Low anthropophagy agglomerated in the sins of catechism-envy, usury, calumny, assassination. Plague of the so-called cultured and christianized peoples, it is against it that we are acting. Anthropophagi.

Against Anchieta singing the eleven thousand virgins of the sky, in the land of Iracema- the patriarch João Ramalho founder of São Paulo.

Our independence has not yet been proclaimed. Typical phrase of Don João VI:-My son, put this crown on your head, before some adventurer does! We expelled the dynasty. It is necessary to expel the spirit of Bragança, the law and the snuff of Maria da Fonte.

Against social reality, dressed and oppressive, registered by Freud-reality without complexes, without madness, without prostitutions and without the prisons of the matriarchy of Pindorama.

Oswald de Andrade In Piratininga Year 374 of the swallowing of the Bishop Sardinha.

1. Original in English [T.N.]. 2. Girls: Original in English [T.N.]. Originally published in Revista de Antropofagia, n.1, year 1, May 1928, São Paulo. Translated from the Portuguese by Adriano Pedrosa and Veronica Cordeiro.

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